16.12.13

Acho, de verdade, que o amor atravessa o tempo e o espaço. Milhões e milhões de anos e quilômetros que não impediram que se amasse. Mas as pessoas não. As pessoas não atravessam o tempo. Elas estão sempre estáticas nos seus 90 anos.

14.12.13

Se eu te encontrasse hoje, tipo, sei lá, no meio da rua, sentado no ponto de ônibus eu fugiria com os olhos e quem sabe dirigiria algumas palavras. Mas só palavras. Porque eu ainda penso de vez em quando nos tempos áureos que se passaram faz pouco tempo. Talvez forçasse um abraço, só pra sentir de novo teu peito inchando e esvaziando inchando e esvaziando inchando e... Talvez quisesse que tu explodisse num choro desconsolado. Que as lágrimas caíssem dos teus olhos sem atrito com a pele e molhassem o asfalto da calçada e o sol apagasse as gotas assim sem mais nem menos. E que eu te abraçasse ou te olhasse intacto dentro de mim, mas consternado fora do meu ser. E que eu pudesse dizer adeus e subir a rua. E que tu ficasse a me fitar até desaparecer em cima da ladeira, rumo ao sol ou simplesmente ao fim da avenida. E sentir que enfim eu pudesse dizer dos amores que eu tive. Orgulhoso. Em cima dos meus próprios pés.

20.11.13

Hoje no mercado houve quem me olhasse e não entendesse que tudo aquilo era amor e era paixão, mas que era, acima de tudo, a saudade mais perversa de todas que existem. Aqui no corredor dos sabões em pó jaz a lembrança mais exata do amor que tive e não achava de jeito nenhum o cheiro daquelas camisetas, o exato cheiro da ausência, um por um todos espatifados no chão azul pipocados de gotículas de tristeza.
Pra cá, pro lado das pessoas que morrem a cada a dia a vida anda serena como todo dia é sereno e como toda noite é conturbada. Mas é junto da lua, junto dessa filha da puta da lua que se grudam as mais sórdidas regalias das mentes perturbadas e das almas errantes. Aqui, na noite ébria e chapada que não deixa a gente descansar que o universo parece que diz pra gente: esse é o teu destino lacrado empapelado endereçado com selo e fita crepe. Só que o dia é sereno e o dia é claro. Não entendo. Por que é que Deus fez assim durante o dia te trarei felicidade e à noite te trarei reflexões diabólicas - será que Ele quer nos ver pagar os pecados da humanidade? Carregar a humanidade nas costas carregando a humanidade nas costas? Se a mim fosse concedida uma prerrogativa seria a de que Deus fizesse dos dias angústia e das noites calmaria.

20.8.13

E eu te amei tanto e por demais que, na minha fé, isso foi um pecado que os santos até hoje me execram. E ainda eu choro dentro do meu peito quando eu ouço o teu como se ele encostasse nas minhas costas e eu te sentisse todinho dentro do meu espírito. E aqui de do centro do meu corpo dói, dói, dói... Ai, meu Deus! Quem me dera poder renascer durante três dias e morrer por fim no terceiro e sentir analgesia dentro dos meus olhos...

4.8.13

Eu é prefiro me sentar aqui neste lugar - que é meu! - e esperar até que o Sol morra de fadiga! Foi aqui, neste banco que tem o assento corroído pelo infortúnio do tempo e pelos cupins que eu vi o meu corpo dilatar-se. Foi neste banco, que já tem as pernas bambas de carregar-me em cima todos os dias que eu vi amanhecer um espetáculo e que hoje queima-se com olhares de quimera - e por isso daqui eu não saio! Deste canto que Deus, nosso Senhor, me deu de presente e que hoje honra a palavra da fé dos homens eu não arredo! Nem que destrocem, nem que dilacerem todos escapes, eu permaneço estático. Nem mais memória, nem mais ideia, nem mais pensamento - me queimaram todos, cartela atrás de cartela. Este banco é tudo que me resta. Eu, com o nada que me lava as mãos, mantenho-me compadecido com aqueles que não se compadecem. E queria poder estar vivo no dia que todos puderem se compadecer.

20.5.13

Acho que se eu tivesse recusado a subida, não teria conhecido um anjo. Um anjo um tanto quanto decrépito, na forma de uma adicta em cocaína, marginalizada por ser assim. Deus dividiu uma ladeira com uma cruz e colocou este anjo abaixo dela... Mas o anjo, ainda assim, quis reconquistar o amor de Deus, mesmo tendo uma vida filha de uma puta. Eu encontrei este anjo no começo de uma subida desgastante e ele me levou até a cruz: até a metade do caminho, até onde Deus permitisse que ele chegasse. E me deixou ali, sabendo que fazia poucas horas depois do último consumo, sabendo que ela tinha uma filha de cinco anos, e sabendo que estava precisando de meias e de um cachecol. E que ela não tinha esquecido do amor de Deus. "Deus seja louvado. Que ele seja sempre louvado." Daí, eu fiquei ali, no meio de um caminho, subindo prum morro pra encontrar com Deus e as estrelas e pensar naquilo tudo que eu tinha aprendido em cinco minutos de uma caminhada. Um anjo completamente esquecido e desamparado, que mora abaixo de uma cruz, ainda tenta reconquistar o amor que Deus lhe dera. Me ensinou sobre a fé: que a fé é capaz de vencer qualquer ímpeto.

28.4.13

Epifania sobre o que é a inércia (talvez não seja esse o mais apropriado)

Acho que o mundo tá me deixando pra trás. Ou sou eu covarde o suficiente pra levar um tapa do universo. Mas a terra tá girando e girando. E parece que toda vez que o trem chega, eu não tenho forças pra pular dentro dele. Ou não existe um espaço ali, do meu tamanho, pra eu me acomodar e viajar tranquilo sereno e em paz. Ou é simplesmente um medo babaca e banal do futuro. Uma ansiedade urgente que não consegue me deixar esperar os próximos trens, que se esvaziam aos poucos. Mas quanto mais tarde, menos trens existem, e mais vazios e solitários ficam os vagões. Só que meus pés não se movem. Ficam estáticos, contrariando uma vontade túrgida dentro de mim...
Eu fiquei encarando a garagem vazia, a porta de casa e o silêncio da madrugada por muito tempo, sem coragem de dar um passo sequer. Nunca trancaram a porta de casa, mas naqueles instantes, justamente naqueles instantes, eu senti medo da porta estar trancada e não conseguir entrar. Na verdade, acho que o medo maior era o de estar sozinho na quietude completa.

16.2.13

Dandara luta

Dandara estufou-se no peito doído da luta. Horas antes ouvira as cavalgadas compassadas do chefe-do-mato e com a ajuda de poucos relapsos decidiu que era a hora de lutar pelo seu quilombo. Agarrou os três filhos e abraçou-os forte contra o próprio corpo, até doer-lhe a barriga:

- Meus meninos, vocês são o último legado que eu deixo aqui e agora. Mamãe e papai podem nunca mais voltar - mas lembrem-se. Vocês devem sempre lembrar-se de que não são deste país sujo, desta colônia imunda. Nós sofremos. E merecemos o nosso descanso. Mamãe vai descansar daqui a poucas horas, para sempre. Mas não se acanhem. O descanso de vocês logo chegará...

Dandara foi interrompida pela invasão dos paulistas no quilombo. Escondeu os filhos rapidamente atrás de algum artefato de dentro do quilombo. Quando voltou, a batalha estava travada - a carnificina fez-se na comunidade, que já durava mais de cem anos. Depois de muito lutar, Dandara virou-se e visou o inferno: Zumbi, a quem amara e fora fiel, estava morto e ensanguentado, atirado contra a parede. Num urro de dor e virilidade, Dandara amaldiçoou aquele que cometera tal atrocidade. Depois, matou-se. Ainda restam dúvidas que talvez possa ter morrido na prisão.

31.1.13

Toda essa natureza escórica aniquilou-se do contato do ar com o cianeto. Ou talvez porque Deus cansou de reger coisas vivas e se queixou de todos aqueles que já pecaram e que já fizeram mal ao teu próximo "Amarás ao próximo como ama a ti mesmo". Balela. Deus deve tá na praia. E jogou pra cá duas cartelas de Lexotan e um copo d'água - pra não deixar que a ingestão seja tão cruel. É por isso que do lado de cá tá todo mundo fodido. O problema é que tem gente que não enxerga isso. Quem nunca tomou Dramin pra dormir, que atire a primeira pedra. E daí que são 3 gerações, uma delas completamente enlouquecida - internet, segmentação - seja a merda que for, o que importa é que estamos doidos. E um filho de uma puta de um psiquiatra ainda quer dizer 'Não, veja bem, ainda existem os fármacos'. Ao vencedor, os fármacos!