24.2.19

Eu não sei se você sabem, 
Mas eu passei horas da minha vida preparando a mesa do café da tarde,

Eu assei um bolo - de fubá com goiabada, que é o meu preferido. E o bolo está sempre no meio da mesa, triunfal. 

Subi na banqueta pra pegar as louças - essas que tem detalhes em azul e a borda dourada - que ficavam no armário de cima, essas que a gente só tira pra Rainha;

Comprei pão, o suficiente pra nós, fui até à padaria e pedi os mais moreninhos, afinal, ninguém quer comer pão cru. Coloquei os pães numa baixela, coloquei a baixela do lado do bolo;

Comprei presunto, queijo, salame, manteria, geleia de uva, de morango, de laranja, margarina, qualquer coisa que faz o pão descer menos insosso e deixei tudo isso espalhado pela mesa;

Passei o café, comprei daqueles com grãos selecionados, plantados em alguma ocupação de terra, coloquei o café no bule do jogo de louças e deixei o bule do lado do bolo, cruzado com a baixela de pães;

Quando vocês sequer deram notícias, eu desfiz tudo. O bolo, eu joguei fora pros gatos da rua comerem;

As xícaras, eu taquei todas no chão;

Os pães, eu rasguei, um por um, e taquei pras pombas da cidade;

As geleias, o queijo, o presunto, o salame, a manteiga, a margarina, eu joguei na privada;

O café, que ainda estava quente, eu joguei em mim e urrei, me queimei, fiquei cego;

E agora, as medidas do bolo estão contadas de novo. Enquanto ele assa, eu pego o outro jogo de louças, vou na padaria, moo e passo o café;

E volto a esperar que vocês apareçam. 
Esses teus checkpoints sao a minha desgraça e a minha glória, o meu alívio e o meu desespero,

Afinal, eu nunca me dediquei a alguém que eu não conhecesse mas você... que que tem em você? 

Eu arrumo minha casa, eu preparo o meu corpo, eu planejo a minha vida... e você não vem, você não chega e eu fico aqui a guarnecer, a bagunçar, guarnecer, bagunçar

E essa é a bagunça mais desesperadora, raivosa, infinita e cada vez é mais e mais

Então eu me ajeito, recobro minha postura, caminho dois ou três passos

E você aparece, mas nunca chega e eu desarrumo tudo de novo, pra ter que arrumar depois

E este serviço é todo meu, só meu
Estes são, pra mim, os momentos de trégua - quando você lembra de mim. E eu volto a me atormentar com as inúmeras aventuras que poderíamos viver. Com as inúmeras ideias irreais de estar do seu lado e te amar da maneira mais caótica que eu poderia supor. E daí eu olho pras coisas que existem e me vejo sentado na cama, abraçado nos meus cachorros, lamentando essa sua ausência estranha que eu nunca vi. 

E a minha vontade mais profunda é de te implorar pra ir embora, sumir, nunca mais olhar pra minha cara. 
Essas todas foram as grandes novidades da minha vida.

Entende? Não sou acostumado a sair, assim, e viver uma vida numa noite e na metade de um dia

E depois deixar quieto, voltar pr’aquilo que eu sei, pras coisas que já existiam antes 

Não vou dizer adeus. Ainda. Nao sei se consigo mas o que importa é que eu não quero e eu não consigo supor que isso tudo termine, assim, porque as coisas são desse jeito. 

Me compreende. Eu sei que é difícil e eu sei que eu não sou nada, absolutamente nada, não significo nada.