19.2.12

Quarta-feira de cinzas

Me lembro dos maços de cigarros fumados uns atras dos outros. E dos tragos de cachaça consumidos em milésimos de segundo. E da maconha puxada sem o intervalo entre um baseado e outro. E dos gramas de cocaína fungados como se o amanhã inexistisse. E da multidão suja levada, em massa, pelo samba frio e incoerente. E das caras, e dos peitos e dos pés grotescos dos homens grotescos. E da avenida imunda e cheirando a gozo de macho-alfa. E do meu cadáver jogado no asfalto - de nariz estourado e pulmão quase inerte. E dos súbitos de esforços pelos quais não consegui, nem por um segundo, manter-me de pé. E da lágrima seca que tentava rolar pelo meu corpo. E do cansaço. E da fadiga. E do medo. E da morte. E, pois, não adiantara de nada seguir o bloco - ainda assim voltei a ser tudo o que me afligia antes, mas com menos tempo de sê-lo.

17.2.12

Dote de puta

Agora, mas só agora, eu queria que voce me comprasse - com dote de puta. E que metesse forte na minha boceta e me fizesse sentir dor, sentir raiva e sangrar de tesão. E que essa corja de cientistas hipócritas queiram me analisar e concluir que é tudo um transtorno de personalidade e qualquer outra bosta que eles inventem pra me fazer engasgar numa única pílula de antidepressivo - FILHOS DA PUTA! Pois não entendem porra nenhuma de mim. Nem de qualquer outro homem na terra. Não sou louca, não sou depressiva. Eu só fui burra e afiada. E, pois, não fui delicada e muito menos frágil: meu ombro é largo, bonitão! Eu te encarei com esse rosto deformado, dei essa cara a tapa, que você não hesitou em espancar. E não te preocupa, garoto. Eu só quero arder pra sentir ódio de você, desse teu pau frouxo e dessa cabecinha pequeno-burguesa fútil e horizontal. Mas não pensa que foi animalesco. Ou intelectual. Ou platônico. Ou qualquer merda dessas. Foi burrice. Amor de covarde. Hipócrita. Amor de hipócrita é o que te consome. E mal sabia eu que gastei o meu alento, minha energia, meu tesão em prol de um putinho que nem falar sabia direito... Pois não se exalte, meu amor, "também vou mastigar um naco da eternidade!"

5.2.12

"Você não é igual ao teu pai"

E eu sei que nada disso tá valendo pra você. Eu sou velho, de outra época, de outra geração, com outras pessoas... Mas são as pessoas que permitem que a gente seja quem a gente é, sem tirar nem por, do jeito que a gente nasceu, que valem a pena. E mesmo com toda a filhadaputagem, com toda a hipocrisia, com toda ganância e com toda a putaria do mundo do negócio... do mundo empresarial, essas pessoas tão aí. São elas pra quem você pode chegar e falar: Puta que pariu, fiz uma cagada homérica!, que elas não vão te repreender. Vão olhar no teu olho e dizer: Então vamo lá, como eu posso te ajudar?. E é por isso que você quer ser feliz, é por isso que você quer fazer teatro. Porque você não tem medo de ser sensível e porque você tá em busca dessas pessoas que te aceitem desse jeito que você é. E teu pai era assim. Mesmo com todas as contra indicações que ele tinha pra não ser, o irmão dele, o pai, a família que ele teve, teu pai não tinha medo de ser do jeito que ele era. Você não é igual ao teu pai. Mas eu te admiro com a magnitude que eu admirava ele.

Eduardo, 05/fev/2012