28.4.11

Ato I, Cena I
Jovem rapaz sentado na poltrona. Lêalgo. Adentra uma mulher. Denota um certo ar vicentino e veste-se vicentinamente. Parece um pouco antiquada. Olha em volta, percebe um cheiro estranho.
Mulher - Que cheiro de cocô de cachorro...
Rapaz observa-se - Não fui eu.
Mulher - Rupert, meu filho, por onde andava?
Rapaz - Por ondei andei?
Mulher - Sim, para onde foi?
Rapaz - Fui a algum lugar?
Mulher - Sim, não foi? Esteve sempre aqui? Não saiu?
Rapaz - Sim, estive sempre aqui. Não percebeu?
Mulher - Sim, percebi. Foi para aqui?
Rapaz - Vim para cá.
Mulher - Veio para cá ou foi para aqui?
Rapaz - Que paire a dúvida.

Pausa. Suspiros. Pausa. Suspiros. Pausa breve. Suspiros longos. Pausa mútua. Suspiros alternados

Mulher - Almoçaste?
Rapaz em tom de dúvida - Almçaste?
Mulher - Sim, almocei, obrigada.

Silêncio

Rapaz - E o que almoçou?
Mulher - Creio que era lagosta.
Rapaz - Crê?
Mulher - Podia ter sido carne vermelha.
Rapaz - Explica-se a dúvida. São muito parecidas.
Mulher - Com certeza são. Ambas são vermelhas.
Rapaz - Sim, claro. Apenas daltônicos não notariam a diferença.
Mulher - Claro.

Silêncio

Mulher - Acha que já está na hora de discutirmos nossa relação, querido?
Rapaz - Por que o faríamos?
Mulher devolvendo a pergunta - Por que o faríamos?

Ato I, Cena II, que pode ser chamada 'Continuação da Cena I do Ato I'

Mesma cena

Rapaz - Sim, por que o fariamos? É minha mãe. Não há, vamos e convenhamos, utilidade alguma em discutir-se a relação com entes de tal proximidade. É evidente que não temos nenhuma, mas clareia-se que não devemos discutir nada. Nem os assuntos mais interessantes dos dias de hoje.
Mulher - Tais quais?
Rapaz - Varais. Almofadas ipermeáveis. Bambus e ursos pandas. E o mais importante: cadeiras.
Mulher - Cadeiras?
Rapaz - Cadeiras.
Mulher - Cadeiras... O que fez hoje?
Rapaz - Li.
Mulher - O mesmo livro o dia todo?
Rapaz - Sim.
Mulher - E conseguiu sair da página 15?
Rapaz - Sim. Estou na 16. Maiakovski.
Mulher - Esta em russo?
Rapaz - Sim
Mulher - Sabe ler russo?
Rapaz - Não.
Mulher - Por isso demora tanto para lê-lo?
Rapaz - Não. A fonte é pequena.

Blecuate

25.4.11

Além do que se vê

Queria poder te ver
E eu mesmo tirar o som da tua tevê...
E parar de sofrer pela tua solidão
E, quem sabe, acabar com ela, assim, em vão,
pois bem sei, amor,
que nem tu vês que amor aqui tem.
Mas que tem, tem sim
E nao quero sofrer assim, só (...)

12.4.11

- Trato meu coração como uma criança doente: dou-lhe tudo o que pede.
- E quando essa criança nada pede, apenas chora?
- Apenas morre

...

4.4.11

Devoro sonho, medo, alegria, desejo. Devoro tudo, me devoro, te devoro, lhe devoro. Só vejo em frente, não vejo atrás, penso em consumir. Nhac Nhac Nhac...!!!
Fecho os olhos, me consumo, te consumo, lhe consumo. Tudo por dentro.
O meu único desejo, quando criancinha, era estar em paz. Era um desejo incomum e claro que, naquela época, não o concebia dessa maneira - paz. Lembro-me que dizia a meus pais, avós, tios e tias que meu maior sonho era ser feliz, estar bem comigo mesmo. Quando meu pai, seguidor fervoroso da religião Católica, enrolava em meu pulso aquelas fitinhas as quais concedem-nos um desejo ao estourarem, sempre pedia a paz. Paz interna...
Fui crescendo. Como todos, perdi minha ingenuidade. Aquelas fitinhas, nas quais acreditava cegamente, nunca me foram úteis. Até hoje, alguns anos depois, não encontrei minha paz e nao espero encontrá-la tão cedo. Vivo conturbado internamente, misturando meus sentimentos com atitudes alheias. Vivo consumido pela raiva. Choro por ela. Não sei o que fazer de fato. Parece que não cresci para sabê-lo, ainda...